domingo, 28 de setembro de 2008

A culpa é sempre do outro

Nos últimos meses emergiram em catadupa, como se de uma estratégia concertada se tratasse, notícias, comentários e declarações, proferidas por personalidades com importantes responsabilidades no País, que contribuíram, não só, para aprofundar o clima de insegurança que efectivamente se vive, mas também, para desviar atenção das causas que estão na génese do aumento da criminalidade em Portugal que nos preocupa a todos de igual modo. Sejamos nós cidadãos autóctones ou cidadãos de outras origens nacionais que procuraram e procuram este país para honestamente trabalhar e viver. A tentativa de culpabilizar o "outro" não é, de todo, uma novidade. A história está recheada de exemplos e equívocos que importa, no presente caso desconstruir para que nem os erros, nem a história se repitam com custos elevados para a sociedade portuguesa. A falta de rigor com que, no caso de alguns responsáveis políticos, abordam a questão da criminalidade e da associação aos cidadãos estrangeiros provoca um sentimento generalizado de desconfiança e a conclusão simplista de que todos os estrangeiros são criminosos ou potencialmente criminosos. A propensão para a criminalidade não está na origem nacional ou geográfica dos cidadãos. Ela está relacionada com fenómenos sociais e económicos de exclusão, num contexto de modelo de desenvolvimento propenso a acentuar a desigualdade e a exclusão entre pessoas. Mais importante do que encontrar bodes expiatórios e relacionar a criminalidade com o origem dos pessoas é necessário enfrentar de forma corajosa o problema sem subterfúgios nem manipulações. Por outro lado, a unilateralidade e superficialidade que pautou, por exemplo, a cobertura mediática dos incidentes na Quinta da Fonte, a suposta existência de uma organização criminosa brasileira em Portugal e a referência sistemática da nacionalidade do indivíduo em situação de prática de um crime, reforçam a convicção das pessoas que a criminalidade está relacionada com os imigrantes. O Coordenador de Segurança defendeu, há poucos dias e de forma objectiva que os estrangeiros têm a responsabilidade do aumento da criminalidade. Ficou por saber o que é isso significa realmente. Todavia, o que passou para a opinião pública, a partir de um discurso absolutamente simplista mas simultaneamente grave é que os imigrantes serão os responsáveis pelo aumento da criminalidade, sem apresentar nenhuma sustentação objectiva para esta afirmação. É extraordinário que, perante essas graves declarações, ninguém exija uma a explicação ao coordenador de Segurança sobre os factos que lhe permitiram fazer tal afirmação. Perante a ausência de contraditório, somos confrontados com duas alternativas: ou o coordenador de Segurança tem números e dados credíveis que sustentam a sua declaração e teria, por isso, de os apresentar publicamente; ou então, estão todos de acordo que é mesmo verdade, ou seja, que o aumento da criminalidade está relacionado com os imigrantes. Caso se comprove que a declaração é gratuita e sem base de sustentação, é expectável que daí sejam tiradas as devidas consequências. Não podemos, é compactuar com afirmações que na nossa perspectiva são objectivamente injustas e fomentadoras de generalizações e estigmatizações da população imigrante em Portugal que, representa hoje, 5% da população residente e perto de 10% da população activa. Com excepção da alta-comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural, não houve ninguém com responsabilidade tentando contrair as afirmações e notícias sistematicamente veiculadas e ampliadas na comunicação social. Não defendemos, obviamente, uma lógica de defesa gratuita mas sim a partir de factos concretos, sendo que os estudos sobre a matéria demonstram objectivamente, que não há uma relação directa da imigração com a criminalidade e nem os imigrantes apresentam uma maior taxa de incidência criminal. Vale a pena, por isso, fazer prevalecer o bom senso e rigor na abordagem da criminalidade, já que as afirmações e notícias que nos chegam não têm, definitivamente, nem uma coisa nem outra.

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